Para reflexão…

26/06/2010

Numa entrevista ao Yezhenedelnyi zhurnal a 27 de Setembro de 2004, Yelena Bonner, activista russa dos direitos humanos afirmou:

“Há a filosofia e o ponto de vista dos defensores dos direitos humanos, e há a filosofia e o ponto de vista daqueles que representam o Governo. Têm objectivos diferentes e missões diferentes. O objectivo do movimento dos direitos humanos é defender a sociedade das autoridades do Estado e constituir uma sociedade civil. O objectivo de qualquer autoridade do Estado é consolidar o seu próprio poder. Preocupa-me ver tantos defensores bem conhecidos dos direitos humanos a entrarem neste jogo. Se o fizerem, deixam realmente de ser defensores dos direitos humanos. Querem ficar nas boas graças das autoridades do Estado. Isto indicia uma crise no movimento dos direitos humanos.

Aquilo a que hoje em dia se chama o movimento dos direitos humanos na Rússia, e os políticos a que chamamos oposição e que durante muitos anos estiveram sentados entre dois bancos, perderam o comboio. Perdemos a oportunidade de agir por meios legais. Hoje em dia, explorando a tragédia de Beslan, fazem-se tentativas de destruir a independência dos tribunais. Que é que isso deixa em aberto à sociedade? Apenas a revolta e a rebelião.

Não estou a apelar à revolução. Não vejo líderes capazes de a liderar, nem preparação para ela no país. Assim, a Rússia seguirá o caminho delineado para ela pelo Sr. Putin. Que mais pode fazer? As eleições locais foram abolidas, o direito aos referendos foi retirado, a responsabilização das instituições eleitorais pela população há muito acabou. Considero que esta directiva é mais um truque. O Estado está a criar um movimento paralelo dos direitos humanos.

De momento, não vejo forma de regressarmos a um caminho democrático. Não estou a dizer que tivéssemos uma democracia, mas havia uma tendência nessa direcção, que se poderia ter desenvolvido, dada a existência de meios de comunicação social livres. Precisávamos de um sistema eleitoral como deve ser; a última coisa de que precisávamos era que fosse destruído. Há muito que as eleições se tornaram uma fraude, e as eleições são instituições fundamentais a qualquer democracia.

Todos os três ramos do poder na Rússia, o executivo, o judicial e o legislativo, foram transformados para se adaptarem ao presidente. Deixámos de ser um Estado democrático ou, diria, até republicano. Formalmente, haverá eleições presidenciais (em 2008). Se, é claro, o país tal como está a ser construído por Putin sobreviver tanto tempo. Foram eliminados todos os canais para uma alteração legal e pacífica da situação numa direcção democrática. Assim, esta panela de pressão tapada irá aquecer até explodir e isso pode acontecer de muitas maneiras. “

Politkovskaya, Anne, “Um Diário Russo”, Círculo de Leitores, pp. 209-210

 

A acrescentar a isto, transcrevo uma parte do prefácio escrito por Jon Snow em Fevereiro de 2007 “Enquanto lia Um Diário Russo perguntei-me para que temos embaixadas na Rússia. Como é que os nossos líderes ignoraram tão resolutamente o que sabiam que Putin estava a planear? Foi a fome de gás? A cobiça pela riqueza da escandalosa venda, após a queda do regime comunista, dos bens estatais e dos recursos fabris russos, através da qual as nossas instituições financeiras participaram na ascensão dos oligarcas ladrões? Ou foi o desejo cego de manter a Rússia ao lado, independentemente do custo para o seu povo empobrecido?”

Politkovskaya, Anne, “Um Diário Russo”, Círculo de Leitores, p.7